A Phala - Número Cem
Para voltar a ler um texto belíssimo de José Tolentino Mendonça acerca da herança do poder das histórias; que é (também) uma homenagem a Manuel Hermínio Monteiro.

(...) Há histórias que nos pintaram o rosto com terra amassada, vermelha, amarela, negra e iniciaram-nos na decifração do fogo, na escuta dos silêncios da terra, no entendimento dos sonhos. Há histórias que nos conduziram ao centro impenetrável de bosques, aos segredos da penumbra de um templo, à geografia de cidades, ao alarido dos mercados e à hesitação que a sabedoria por vezes dissolve, por vezes amplia.
Pelas histórias descobrimos a vastidão de um mundo interior, intacto e errante como uma paisagem do fundo dos mares, e assim primordial e delicado, arcaico e sublime. Das histórias recebemos o socorro quando nos faltaram as palavras (ou outra coisa que não sabemos bem, mas que talvez nem fossem palavras) para medir a altura da alegria, porque, de repente, o amor, a poesia, a santidade se avizinharam e, percebemos, nada antes tinha sido, para nós, tão belo e tão perigoso.
(...) Seja o poder das histórias, essa torrente imemorial, secreta e profusa, esse sopro íntimo que arranca do mundo, da extrema fragilidade do mundo, o encantado desenho de uma música interminável, a dizer o amigo que atava as grandes histórias, as mais maravilhosas, em livros (sem os quais não seríamos os mesmos, ou não conseguiríamos talvez já viver), pela paixão, pela simples paixão, de encher a nossa vida desses ramos perfumados e bravios!

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