"Todos os que conheço viveram já um dia conseguido, em regra até muitos. A uns bastava que o dia não se arrastasse. Outros porventura dizem: "Estar na ponte, sob o céu. De manhã ter rido com as crianças, olhar. Nada de especial, olhar traz felicidade." E, para um terceiro ainda, significara já a rua de subúrbio, que ele tinha acabado de atravessar, com os pingos de chuva que, lá fora, pendiam da chave gigante da serralharia, com o fervilhar do bambu no jardim fronteiro da casa, com a trindade de cascas de tangerina, uvas, batatas descascadas cá fora sobre o parapeito da cozinha, com o táxi que estava de novo estacionado à porta de casa do motorista um tal "dia conseguido". E, para aquele padre cuja palavra preferida era "nostalgia" um dia podia ser considerado conseguido no momento em que ele ouvia uma voz amável. E, após uma hora em que nada acontecera, exceptuando o facto de um pássaro ter rodopiado em torno de um ramo, de uma bola branca estar aninhada num arbusto e de alunos estarem sentados ao sol na plataforma de comboios, não tinha ele próprio também dado repetidamente consigo a pensar: "Tudo isto constituiu agora já o dia inteiro"? E não lhe acontecia frequentemente, quando à noite evocava - sim, era de uma espécie de evocação que se trtava - o dia findo, ocorrenrem-lhe, em regra, como nomes para ele as coisas ou os lugares somente de um instante: "foi o dia em que o homem com o carrinho de bebé deu a curva por cima dos montes de folhas", "foi o dia em que as notas do jardineiro estavam misturadas com palhas e folhas", "foi o dia do café vazio, onde a luz se alterou com o zunido proveniente do balcão frigorífico..." Então porque não se contentar com cada hora conseguida? Porque não simplificar, elevando o instante a dia?"
Peter Handke, in Ensaio Sobre o Dia Conseguido
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