"A podridão alastra por todo o Estado e o cheiro doce torna-se uma grande preocupação nos campos. Os homens que sabem enxertar as árvores e tornar fecundas e fortes as sementes, não encontram meios de deixarem a gente esfaimada comer os seus produtos. Homens que criaram novas frutas para o mundo, não sabem criar um sistema pelo qual as tais frutas possam ser comidas. E o malogro paira sobre o Estado como um grande desgosto.
As operações praticadas nas raízes das vinhas e das árvores devem ser destruídas, para que sejam mantidos os preços elevados. É isto o mais triste, o mais amargo de tudo. Carradas de laranjas são atiradas para o chão. O pessoal vinha de milhas de distância para buscar frutas, mas agora, não lhes é permitido fazê-lo. Não iam comprar laranjas a vinte cents a dúzia, quando lhes bastava pular do carro e apanhá-las do chão. Homens armados de mangueiras derramam querosene por cima das laranjas e enfurecem-se contra o crime, contra o crime daquela gente que veio à procura das frutas. Um milhão de criaturas com fome, de criaturas que precisam de frutas... e o querosene derramado sobre as faldas das montanhas douradas.
O cheiro a podridão enche o país.
Queimam café como combustível de navios. Queimam o milho para aquecer; o milho dá um lume excelente. Atiram batatas aos rios, colocando guardas ao longo das margens, para evitar que o povo faminto intente pescá-las. Abatem porcos, enterram-nos e deixam a putrescência penetrar na terra.
Há nisto tudo um crime, um crime que ultrapassa o entendimento humano. Há nisto uma tristeza, uma tristeza que o pranto não consegue simbolizar. Há um malogro que opõe barreiras a todos os nossos êxitos; à terra fértil, às filas rectas de árvores, aos troncos vigorosos e às frutas maduras. Crianças atingidas pela pelagra têm de morrer porque a laranja não pode deixar de proporcionar lucros. Os médicos legistas devem declarar nas certidões de óbito: "morte por inanição", porque a comida deve apodrecer, deve, por força, apodrecer.
O povo vem com redes para pescar as batatas no rio, e os guardas impedem-no. Os homens vêm nos carros ruidosos apanhar as laranjas caídas no chão, mas as laranjas estão untadas de querosene. E ficam imóveis, vendo as batatas passarem flutuando; ouvem os gritos dos porcos abatidos num fosso e cobertos de cal viva; contemplam montanhas de laranjas, rolando num lodaçal putrefacto. Nos olhos dos homens reflecte-se o malogro. Nos olhos esfaimados cresce a ira. Na alma do povo, as vinhas da ira crescem e espraiam-se pesadamente, pesadamente amadurecendo para a vindima."
John Steinbeck, in As Vinhas da Ira
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