a respigadora
Não posso ver um filme de Agnés Varda sem que ele esteja sempre e à partida irremediavelmente contaminado com a memória que tenho desse filme que me marcou na adolescência e que se chama Sans Toit ni Loi. Essa memória de uma ruralidade cruel choca violentamente com as minhas recordações de infância feliz no campo. E também sobretudo essa advertência; a de que a liberdade também pode ser perigosa, também pode matar.
Aqui em Os Respigadores e a Respigadora Agnés Varda parte de um quadro de Millet para um trabalho belíssimo acerca do reaproveitamento, das coisas que sobram, do direito.
Do direito de recolher o que sobrou e não foi colhido (lembro-me da alegria com que nós miúdos de 6 ou 7 anos calcorreávamos as vinhas recolhendo as uvas que tinham escapado à vindima).
E do modo como a arte é lixo, sobras, restos. Mas também um filme com uma forte carga política, de crítica à insanidade do consumo desenfreado nas nossas sociedades.
Agnés Varda deixa-me sempre esta quase certeza, intuição, de que o documentário é provavelmente a mais nobre forma de fazer cinema.
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